domingo, 6 de outubro de 2013

Polêmica: família sul-africana troca subúrbio pela favela

Uma família sul-africana de classe alta causou uma discussão pública após se mudar para uma favela durante um mês, numa tentativa de descobrir como a outra metade da população vive, segundo reportagem do New York Times.

“Se você der amor e atenção aos seus filhos, eles serão felizes em qualquer lugar”, escreveu  Ena Hewitt no blog de sua família, Mamelodi for a Month (Mamelodi Por Um Mês, em tradução livre), sobre o experimento social que ela realizou para expandir os horizontes de sua família e entender mais sobre a pobreza. “É claro que tivemos momentos difíceis”, esclareceu.


Em agosto deste ano, Ena e seu marido, Julian — junto com suas filhas Julia, 4, e Jessica, 2, sem levarem brinquedo algum — apertaram o orçamento e saíram de sua mansão para viver em uma cabana de estanho sem eletricidade nem água tratada, ao lado de onde mora sua empregada doméstica.

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As garotas Hewitt e seus amigos em Mamelodi. (Foto: Reprodução)
Embora o blog da família relate que aprenderam muitas lições sobre a vida na favela — desde dormirem abraçados em noites de frio até o medo dos adolescentes locais, viciados na potente droga Nyaope (uma mistura de heroína, maconha, veneno de rato, alvejant, e drogas retrovirais) — os Hewitts também sofreram duras críticas daqueles que acreditam que sua aventura desrespeita a verdadeira pobreza e os resquícios do regime do apartheid.

A família foi rotulada como “complacente” e acusada de ser “gente cheia de culpa, que só sabe olhar para o próprio umbigo” ao tomar parte desta “pobreza praticada” ou “pornografia da pobreza”. 

O efeito — ou a falta de um — sobre as filhas do casal também parece ser questionável. 

“Entendo como os valores dos pais formaram essa decisão de viver a vida na pele dos outros, mas não creio que alguém que tenha 2 ou 4 anos de idade possa se beneficiar de uma experiência dessas da mesma forma que um adulto”, disse Jamie Howard, psicóloga clínica do Child Mind Institute, ao Yahoo. “Por causa de suas idades e estágios de desenvolvimento, basicamente, elas só fazem o que eles mandam, e acabam se sentindo confusas”, explica.



Muitos aplaudiram a tentativa da família de aproximar de outra classes sociais. (Foto: Reprodução)
“Acho que lá pela adolescência, elas começariam a entender. Mas as crianças dessa idade ainda não têm a habilidade de entender a perspectiva dos outros. E sua preocupação principal é saber se suas necessidades básicas são atendidas”, diz Howard, concluindo ainda que elas podem nem se lembrar da experiência, já que as memórias da infância ficam mais concretas somente a partir dos 3 anos. 

Ela também observa que crianças muito jovens se beneficiam mais da rotina e da previsibilidade, e que uma quebra da rotina diária geralmente causa desorientação e aborrecimento. “É apenas um mês, mas isso é um tempo enorme para uma criança entre 2 e 4 anos”, diz Jamie. “É importante que os Hewitts contextualizem a experiência, para que suas filhas não temam que sua situação habitacional possa mudar a qualquer momento e sem aviso prévio”.

Ainda assim, muitos observadores, incluindo a empregada da família, Leah Nkambule, e outros vizinhos, além de inúmeros seguidores no Twitter, aplaudiram a tentativa da família de aproximar essas classes sociais. 

“É difícil criticar alguém que está tentando chamar a atenção para a questão da pobreza”, diz Sendhil Mullainathan, professor de economia na Universidade de Harvard e coautor do livro “Scarcity: While Having Too Little Means So Much”. “De certa forma, isto é similar ao livro ‘Miséria à Americana’”, diz Mullainathan. Ele se refere a da escritora Barbara Ehrenreich, no qual relata sua experiência ao investigar as vidas dos trabalhadores pobres, escrito sob sua perspectiva como jornalista disfarçada de garçonete, faxineiras e caixa de supermercado. 

Embora não seja certo desdenhar da experiência dos Hewitts, ele completa que “seria arriscado sugerir que eles viveram a pobreza real”. Segundo Mullainathan, parte disso acontece porque alguns efeitos de um ambiente pobre (como o medo de assaltos) podem ser sentidos rapidamente, enquanto outros levam algum tempo. “Como você simula a falta de um plano odontológico”, ele questiona, “que leva a uma dor de dente ou a falta de assistência médica, que te deixa doente ou talvez com memórias de um aborto ou da perda de sua esposa durante o parto?”, questiona.

O outro coautor do livro, Eldar Shafir, professor de psicologia e estudos sociais na Universidade de Princeton, concorda. Em entrevista ao Yahoo, disse que, provavelmente, a maior preocupação entre os críticos desses exercícios é o risco de se aprender as lições erradas, “ou pelo menos de não entender o peso das coisas quando elas são reais e prolongadas em vez de breves e temporárias”. 

Um exemplo desse tipo de distorção da realidade, segundo Shafir, está em um post no blog da família sobre as dificuldades da vida na favela, como dividirem uma cama de solteiro. “Aqui, dormimos todos na mesma cama (um hábito que será difícil de cortar quando voltarmos para casa), mas as crianças estão adorando”, escreveu Ena. “É quentinho e elas se sentem amadas e recebem muito carinho à noite, quando está frio”, finalizou.

Shafir observa: “Todos dividirem a mesma cama parece aconchegante e fofo quando é uma experiência de acampamento por um mês. Provavelmente, é um desafio real que afeta o sono, intimidade, e privacidade quando é assim durante meses, e anos...”

O que você achou da experiência da família? 

Assista matéria da TV local com a família que abandonou mansão para viver na pobreza:




(Por: Yahoo Shine)

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