quarta-feira, 30 de abril de 2014

Uma rajada de vento sopra o solidéu do Papa Francisco durante audiência geral na Praça de São Pedro, no Vaticano

Imagens do dia - 30 de abril de 2014








Feira do Livro homenageia Vargas Llosa e Gabo

A 27ª edição do evento em Bogotá reunirá mais de 200 escritores e tem como país convidado o Peru.


Foi inaugurada nesta terça-feira (29) a 27ª Feira do Livro de Bogotá, que reunirá mais de 200 escritores e tem como país convidado o Peru. Na feira, considerada a terceira maior da América Latina, serão homenageados os escritores Mario Vargas Llosa, peruano, Prêmio Nobel de Literatura em 2010; e, de maneira póstuma, o também vencedor do Nobel, o colombiano Gabriel García Márquez, falecido em 17 de abril último.

Os dois escritores – entre os maiores representantes da literatura latino-americana - nutriam uma comentada e reconhecida "inimizade". Depois de terem sido amigos na juventude, afastaram-se por motivos pessoais e políticos. Márquez era reconhecidamente de esquerda e Llosa passou a adotar uma postura de direita com o passar dos anos.

Durante a Feira, Vargas Llosa encabeça uma delegação de 60 escritores, poetas, dramaturgos e jornalistas peruanos. Hoje, ele participou da inauguração do evento ao lado dos presidentes da Colômbia, Juan Manuel Santos, e do Peru, Ollanta Humala.

Na cerimônia de abertura, o presidente colombiano procurou ressaltar as qualidades de Vargas Llosa e, postumamente, de García Márquez. Sobre o peruano, Santos disse ser um grande admirador de Llosa, e disse reconhecê-lo com um "importante defensor da liberdade".

"Hoje quero reconhecer publicamente minha admiração pela maior tarefa da vida de Llosa, que tem sido defender de todas as formas e em todos os lugares a liberdade", destacou.

Ao falar de García Márquez, o presidente colombiano recordou palavras do escritor em seu ensaio Manual para Ser Menino, no qual o escritor defende que o hábito deixa de ser tratado como obrigação.

"Por todo lado eu vejo profissionais escaldados por livros que foram obrigados a ler no colégio. Com este método de ensino, não só a televisão, como também os livros ruins, acabam com o hábito da leitura", disse Santos.

Hoje (30), o Nobel peruano participaeá de um colóquio com o escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez. A Feira do Livro terá eventos simultâneos de teatro, música e atividades gastronômicas. No ano passado o país convidado foi Portugal, e o Brasil foi o convidado de honra na 25ª edição da Feira, em 2012.

Para a edição atual, os organizadores da feira esperam receber, até o dia 12 de maio, cerca de 500 mil visitantes. O país convidado terá um pavilhão com mais de 15 mil livros, de 60 editoras.

Com a morte recente de García Márquez, o Ministério da Cultura da Colômbia dedicou um estande exclusivo ao vencedor do Nobel de 1982, e também haverá leituras e conservatórios sobre sua obra, considerada a mais importante do chamado Realismo Fantástico e da realidade latino-americana.

A feira também terá um encontro Internacional de jornalismo, com o tema Jornalismo, Conflito e Memória, entre os dias 8 e 10 de maio.
Agência Brasil

Rio: Santuário da Penha realiza Mês de Maria

Mais de 40 mil pessoas são esperadas para a programação dedicada à Nossa Senhora.

Rio de Janeiro - Há cerca de 30 anos, maio é todo dedicado a devoção a Nossa Senhora no Santuário da Penha. Mais de 40 mil pessoas são esperadas para a programação do Mês de Maria. Segundo o reitor do Santuário, padre Serafim Fernandes, o tema missionário estará presente na programação. “Atendendo aos constantes apelos do Santo Padre para que a Igreja ‘saia da sacristia’, queremos exortar a todos para que, a exemplo de Maria, tenhamos um espírito missionário. Por isso, o tema mariano deste ano é Maria, Estrela da Evangelização", explicou o reitor.

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano, “Fraternidade e tráfico humano”, e o Ano da Caridade da Arquidiocese do Rio também estão entre as motivações. A abertura do Mês de Maria será no 6º Terço dos Homens, no dia 1º, às 15h. Ao longo do mês, várias paróquias e dioceses agendaram peregrinações ao local. O encerramento será no último domingo do mês, dia 25, com procissão saindo da Igreja do Bom Jesus da Penha, às 15h, em direção ao Pátio do Santuário para a Santa Missa Campal, presidida pelo arcebispo do Rio, cardeal Orani João Tempesta.

No final da celebração eucarística, haverá a tradicional coroação da imagem de Nossa Senhora da Penha, com a participação da banda dos fuzileiros navais. “Os santuários têm uma vocação muito específica: proporcionar aos visitantes uma experiência da bondade e misericórdia de Deus. O Santuário de Nossa Senhora da Penha, devido as suas características físicas e geográficas, de modo muito particular, oferece um clima para essa experiência, pois, na medida em que os peregrinos vão subindo a escadaria, eles têm a sensação de que estão mais perto de Deus”, destaca padre Serafim.
SIR/Arquidiocese do Rio

Fundação jesuíta lança exposição sobre educação

Mostra "Educar é dar oportunidades" aborda trabalho realizado pela Fundação Fé e Alegria.

São Paulo - A Fundação Fé e Alegria, obra social da Companhia de Jesus, em São Paulo, lança nesta terça-feira (29), a exposição "Educar é dar Oportunidades". A exposição, que poderá ser visitada até 15 de maio, mostra um pouco da vida das crianças e jovens atendidos em São Paulo e do trabalho realizado pela Fundação Fé e Alegria no Brasil e no mundo.

No corredor do Conjunto Nacional, ficarão oito totens que apresentam por meio de vídeos depoimentos de oito crianças, entre 6 a 9 anos. As crianças relatam em vídeo suas histórias e o que sonham em ser quando adultas. A exposição conta ainda com um painel com informações sobre Fé e Alegria e vídeos em um espaço de acessibilidade para pessoas com dificuldades motoras, auditivas e de visão. 

A obra social dos Jesuítas atua nas regiões de Grajaú e Taipa, na Capital Paulista, onde segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possuem as piores condições de vida para a juventude. Essa é a primeira vez que a Fundação Fé e Alegria promove uma ação junto ao grande público, após 33 anos de atuação no País. 

A Fundação Fé e Alegria faz parte do Movimento Internacional de Educação Popular Integral e Promoção Social, presente em 20 países, com 1,5 milhão de pessoas beneficiadas. No Brasil, está presente em 15 estados, atendendo cerca de 20 mil crianças, adolescentes e adultos. Na capital de São Paulo, Fé e Alegria atua em duas regiões críticas, com alto grau de exclusão social: o distrito de Grajaú, e Taipas, no distrito de Jaraguá. Oferece uma série de atividades educativas, artísticas, culturais e esportivas para 358 crianças e adolescentes, de 0 a 17 anos, e mais de 1.000 familiares. Sua missão é fortalecer a ação protagonista desse público para a contribuição do desenvolvimento local, promovendo o acesso à informação, à cultura e à produção de conhecimento em sua comunidade.

'Desigualdade é a raiz dos males', diz papa

Por Alexander C. Kaufman

O papa Francisco posicionou-se de forma crítica contra a desigualdade nesta segunda-feira em um tuíte publicado em sua página oficial no Twitter: "A iniquidade é a raiz dos males sociais". Será que o papa estaria ponderando a partir do alvoroço suscitado pelo best-seller do economista francês Thomas Piketty intitulado “Capital in the Twenty-First Century”?
A resposta não é óbvia. Mas o sincronismo do tuíte – dias depois que o livro se esgotou no site Amazon, onde é atualmente o livro mais vendido nos EUA – sugere um apoio do pontífice ao pesquisador francês, o qual postula que um livre mercado não regulado cria uma lacuna entre ricos e pobres cada vez maior. O tuíte estava com quase 10 mil compartilhamentos na segunda-feira à tarde.
O alerta de Francisco vem meses depois que ele chamou o capitalismo desenfreado de uma “nova tirania”, tendo pedido ao líderes globais, em sua primeira grande obra escrita como papa, para combaterem a crescente desigualdade de renda.
Ele expôs a plataforma de seu papado num documento de 84 páginas publicado no último mês de novembro, em que ataca a “idolatria do dinheiro” e conclama aos políticos para garantir a todos os cidadãos “trabalho, educação e saúde dignos”.
The Huffington Post, 28-04-2014.

Pêndulo do Vaticano vai do teatro ao conteúdo

Após canonizações, papa se volta para a reforma vaticana e os escândalos de abuso sexual.
Por John L. Allen Jr.
Em Roma o pêndulo está fazendo o seu movimento do teatro público para o conteúdo dos bastidores durante esta semana, quando duas reuniões a portas fechadas terão pela frente dois dos desafios mais sérios que o Papa Francisco enfrenta: a reforma vaticana e os escândalos de abuso sexual infantil.
Na sequência da grande cerimônia de canonização ocorrida no domingo dos papas João XXIII e João Paulo II, os assessores do atual pontífice que compõem o Conselho dos Cardeais (o seu G8) terão – entre os dias 28 e 30 de abril – uma reunião onde irão refletir sobre reorganização da Cúria Romana, a burocracia administrativa central do Vaticano.
Logo em seguida, a nova “Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores”, instituída por Francisco em dezembro para liderar os esforços relativos aos escândalos sexuais, irá ter a sua primeira reunião.
A sequência não é mera coincidência, visto que uma figura está presente nos dois organismos importantes: o cardeal Sean P. O’Malley, de Boston.
Na verdade, atualmente o conselho do G8 está mais para um “G9”, já que o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal italiano Pietro Parolin, se junta às discussões. Pessoas ligadas internamente à estrutura da Igreja consideram isso um sinal de que Parolin, nomeado ao posto tradicionalmente visto como o de “primeiro-ministro” do Vaticano em outubro, ganhou a confiança do pontífice.
Como é de seu costume, Francisco se faz presente em momentos como estes, mas sem dizer muita coisa, preferindo escutar as discussões sem se intrometer.
Esta é a quarta reunião do conselho criado pelo papa logo após a sua eleição para melhor envolver os líderes das igrejas locais de todo o mundo nos processos de tomada de decisão em Roma. Desta vez eles estarão analisando propostas para uma “reorganização” dos diversos conselhos pontifícios, em geral entendido como sendo um eufemismo para um encolhimento, uma redução das estruturas.
Hoje o Vaticano tem doze conselhos pontifícios, todos virtualmente criados no Concílio Vaticano II (1962-1965). Alguns destes são o Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, o Pontifício Conselho para a Família e o Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde. Estes órgãos são vistos como tendo influência política limitada, sendo mais parecidos com os “think tanks” [ou grupos de reflexão] do que com departamentos tomadores de decisão.
Muitos analistas ao longo dos anos reclamaram que há muita sobreposição e duplicação de esforços entre estes diversos conselhos, e várias propostas foram apresentadas aos cardeais incluindo a eliminação de algumas delas e a consolidação de outras.
Um tal pacote de reformas pode também incluir a ideia de um novo “superdicastério” (termo técnico usado pelo Vaticano para dizer departamento) dedicado aos leigos da Igreja. Hoje o Vaticano tem congregações para os bispos, o clero e ordens religiosas, mas não para os membros leigos que constituem a grande maioria da população católica.
Na terça-feira o conselho também assistiu a uma apresentação feita por Joseph F.X. Zahra, economista maltês que preside um organismo criado pelo papa para analisar as estruturas econômicas do Vaticano e que também é o membro leigo de um novo conselho que irá supervisionar as finanças vaticanas.
Em entrevista concedida ao jornal The Boston Globe no início de março, Zahra disse que a nova estrutura vai evitar o tipo de escândalo financeiro que abala o Vaticano seguidamente, tal como o caso do ano passado que envolveu um contador do Vaticano supostamente enredado num complô para contrabandear milhões em dinheiro.
“Estamos reconstruindo um sistema de controle que irá assegurar que estes escândalos nunca venham a acontecer novamente”, disse Zahra.
Os membros do conselho podem igualmente considerar a ideia de uma nova posição chamada de “moderador da Cúria”, que coordenaria o trabalho dos variados departamentos vaticanos os quais, historicamente, nem sempre mantêm uma boa comunicação entre si.

O’Malley contou ao The Boston Globe que o momento para estas decisões serem tomadas pode também depender de se o Papa Francisco levantar outros tópicos que ele também quer ver os cardeais discutir.
“Isso quer dizer, qualquer coisa que o Santo Padre queira consultar de nós”, disse O’Malley, acrescentando que “ele [o papa] é cheio de surpresas”.

No fronte dos abusos sexuais, a nova comissão pontifícia irá se reunir de 1º a 3 de maio. No momento, compõe-se de oito membros nomeados diretamente por Francisco.
Além do cardeal O’Malley, os outros membros são:
– Marie Collins, vítima irlandesa de abusos por parte do clero e crítica ferrenha das falhas da Igreja sobre as respostas dadas aos escândalos.
– O jesuíta alemão Hans Zollner, vice-reitor acadêmico da Universidade Gregoriana de Roma e presidente do Instituto de Psicologia. Zollner coordenou uma importante conferência antiabuso em Roma no ano de 2012 chamada “Ruma à cura e renovação”.
– Hanna Suchocka, ex-primeira-ministra da Polônia e atual embaixadora no Vaticano.
– Claudio Papale, leigo italiano especialista em Direito Canônico e docente na Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma.
– Catherine Bonnet, psicóloga francesa que tem extensa obra publicada sobre os efeitos dos abusos sexuais e exploração de crianças.
– Sheila Hollins, ex-presidente da Faculdade Real de Psiquiatria e atual presidente da Associação Médica Britânica, frequentemente consultada sobre assuntos relativos ao desenvolvimento infantil.
– O padre jesuíta argentino Humberto Miguel Yáñez, que foi recebido pelo futuro papa na Companhia de Jesus em 1975 e que estudou com ele num colégio argentino.
Embora o Vaticano não tenha divulgado uma agenda da reunião, fontes contaram ao The Boston Globe que, na ordem do dia, estará a finalização de um documento legal, chamado motu próprio, para a assinatura do papa que dará à comissão um estatuto formal no Vaticano.
Em termos gerais, espera-se que os membros discutam sobre outras pessoas que eles possam querer trazer para o grupo, com especial atenção na inclusão de regiões do mundo não atualmente representadas, como a África e a Ásia.
Numa entrevista recente ao The Boston Globe, Zollner disse que a comissão pretende adotar um “compromisso inabalável em pôr as vítimas em primeiro lugar”.
“A Igreja também tem que fazer tudo o que está a seu alcance para evitar futuros abusos”, declarou Zollner.
Outro assunto que provavelmente virá à tona esta semana é a apresentação iminente do Vaticano perante o Comitê das Nações Unidas Contra a Tortura, em Genebra, onde espera-se que, mais uma vez, o Vaticano seja criticado por seu histórico envolvendo abuso infantil.
No início do ano, o Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança criticou o Vaticano por fomentar uma cultura de “impunidade” aos abusadores, e também abertamente criticou o ensino católico em questões envolvendo a moralidade sexual tais como o aborto, o uso de métodos contraceptivos e o casamento homoafetivo.
Os membros da comissão provavelmente irão refletir sobre a melhor forma de se responder a este tipo de crítica, de modo a não sair pela defensiva, mas ao mesmo tempo sublinhar o que consideram como reformas significativas adotadas nos últimos anos.
The Boston Globe. 29-04-2014.
Tradução de Isaque Gomes Correa.

Companheirismo

Quem é realmente humano dá de si para o bem do semelhante, como o bom samaritano.

Por Dom José Alberto Moura*
No caminho para Emaús, o Senhor Ressuscitado se colocou ao lado dos dois discípulos, conversando sobre o que se passara com o próprio Jesus nesses últimos dias. Os dois homens não tinham percebido a identidade do “desconhecido” que dialogava com eles. Foi preciso que Jesus mostrasse o gesto igual ao da última ceia para eles abrirem os olhos e o reconhecerem (Cf. Lucas 24,13-35).
É interessante notar as percepções diferentes das pessoas ao caminharem umas com as outras. Há todo tipo de pessoas. As que olham só para seus projetos e o objetivo da própria caminhada. Há quem não considera os que caminham a seu lado. Muitos não olham os perigos ao redor, o semelhante necessitado, a família desagregada, o jovem pedindo por socorro, a criança e a mulher sendo agredidas, alguns políticos roubando e explorando o povo, apesar de dizerem coisas lindas para tapearem, a exploração dos mais frágeis pelos mais fortes, a concentração de renda com o descaso de quem passa necessidades, a religiosidade eminentemente vertical e de busca de satisfação de interesses meramente subjetivos, sem se comprometerem com a fé transformadora....
Quem é realmente humano olha pelo outro, dá de si para o bem do semelhante, como o bom samaritano. Sabe ver no necessitado a presença de Cristo que diz “tive fome e me destes de comer...”. Por causa de sua fé é capaz de honrar a palavra dada a Deus e aos outros. Tem grandeza de caráter e honra sua condição de ser realmente pessoa do bem e de fé. Não se deixa levar por interesses mesquinhos e não vende sua consciência por “propina” nenhuma. Não faz conchavos políticos para obter vantagens à custa de lesar o próximo e o bem comum. Seu companheirismo é para valer! Não desanima. É persistente e se une a causas de promoção da vida e da dignidade humana. Não usa a religiosidade por pura convenção, costume ou projeção social. Não faz atos religiosos desconectados com seu sentido humilde de reconhecer o verdadeiro senhorio de Deus que o envolve e práticas da fé que levam ao compromisso do verdadeiro companheirismo com o semelhante. Sabe ver a presença de Deus no próximo e nos acontecimentos. É perspicaz no enxergar a vontade de Deus e procura realizar o que é melhor para amar e servir o semelhante. Usa os dons de Deus para servir as pessoas e a comunidade com disponibilidade e entusiasmo, apesar de poder não ser valorizado pelos outros, pois, vê a presença de Deus que o sustenta no que é e realiza.
A convicção da fé autêntica leva a pessoa a viver como já dissera Davi: “Eu via sempre o Senhor diante de mim, pois está à minha direita para eu não vacilar” (Atos 2,25). Não se trata de uma fé embutida para dentro da pessoa, a ponto de ela pensar só em seus projetos pessoais de realização de seus desejos, mas de um compromisso de vida para dar de si em bem da causa comum dos que consigo caminham. Nesse caminho a pessoa sabe que o melhor diante de Deus é viver para tornar o convívio mais humano, fraterno, solidário e justo. A fé não fica apoucada só na subjetividade de sentimento de gratificação psicológica. Antes, leva a pessoa a não se cansar de dar de si pelo bem da comunidade. É o companheirismo transformador e realizador!
*Dom José Alberto Moura é arcebispo de Montes Claros (MG).

A coragem de pedir muito aos jovens

João Paulo II conquistava-os justamente porque era ousado e exigente em suas propostas.

Por Dom Murilo Krieger*
A canonização do papa João Paulo II nos tem levado a recuperar imagens, discursos e atitudes daquele nosso irmão polonês que conquistou o mundo. Quem acompanhou de perto o seu pontificado guarda belas lembranças de suas viagens, de uma determinada audiência pública de que participou ou, se teve o privilégio de um encontro pessoal, de uma palavra que ele disse com amor e humor.
De minha parte, quero ressaltar os encontros de João Paulo II com os jovens. Quando eu o via no meio deles, ficava impressionado com a alegria que os jovens manifestavam, com a disposição para o diálogo que transbordava do coração do papa, com o ambiente de identificação que imediatamente se criava. Parecia que víamos um avô querido no meio de uma multidão de netos. O papa João Paulo II demonstrava rejuvenescer no meio dos jovens. O que me surpreendia, porém, mais que tudo, era a coragem que ele tinha de pedir muito aos jovens.
Para responder ao desejo de felicidade que eles manifestavam, João Paulo II apontava-lhes as Bem-aventuranças: "O homem é feito para a felicidade. A sede de felicidade de vocês é, portanto, legítima. Para esse seu desejo Cristo tem a resposta. Pede-lhes, porém, que confiem nele. A alegria verdadeira é uma conquista que não se alcança sem uma luta longa e difícil. Cristo possui o segredo da vitória” (Toronto, 2002).
Em 1998, em Roma, havia confiado aos jovens uma missão: a de se tornarem, na aurora do novo milênio, “testemunhas corajosas do Evangelho”. Afinal, cabe-lhes ser “sal da terra e luz do mundo”, chamados não só a encontrar Cristo, mas a “dar testemunho de sua presença na sociedade contemporânea e se tornarem construtores da civilização do amor e da verdade”.
Voltando às Bem-aventuranças: João Paulo II assegurava aos jovens que elas apresentam o mapa do caminho da felicidade. As oito propostas de Cristo são as setas que indicam a direção a seguir. “É um caminho que sobe, mas Ele percorreu esse caminho por primeiro. Ele está disposto a percorrê-lo com vocês, tanto que disse um dia: 'Quem me segue não caminha nas trevas' (Jo 8,12). É caminhando com Cristo que se pode conquistar a alegria, a verdadeira! Justamente por essa razão ele lhes repete também hoje um anúncio de alegria: “Bem-aventurados!...”
Em qualquer lugar e situação, os jovens o aplaudiam, convictos de que estavam ouvindo palavras de um profeta, de alguém que não procurava o aplauso fácil. João Paulo II os conquistava justamente porque era ousado e exigente em suas propostas. Era isso mesmo que eles queriam: buscavam palavras de vida – palavras que fossem capazes de dar uma nova orientação a seus passos. Voltavam, então, para casa, dispostos a viver segundo o que lhes havia sido proposto. Como poderiam se esquecer, por exemplo, da cruz que lhes era apontada? "Olhem para ele: Jesus não se limitou a pronunciar as Bem-aventuranças, mas as viveu. Percorrendo a sua vida, relendo o Evangelho, ficamos maravilhados: o mais pobre dos pobres, a pessoa de coração mais puro e misericordioso é justamente ele, Jesus. As Bem-aventuranças nada mais são do que a descrição de um rosto: o seu rosto! A alegria que as Bem-aventuranças prometem é a alegria mesma de Jesus: uma alegria procurada e encontrada na obediência ao Pai e no dom se si aos irmãos."
A canonização do papa João Paulo II serve de advertência e lição para todos os que são chamados a caminhar com os jovens, e a educá-los: porque sabia lhes pedir muito é que os atraia e conquistava. Mas, não nos esqueçamos de que ele os conquistava e atraia não para si, mas para Jesus Cristo, "o verdadeiro Mestre, o único que apresenta uma mensagem que não muda, mas que responde às expectativas mais profundas do coração dos jovens".
Agradeçamos a Deus o presente que, na pessoa de Karol Wojtyla – agora, S. João Paulo II -, Ele deu à nossa geração. Agradeçamos, também, por Angelo Giuseppe Roncalli – agora, S. João XXIII, "o Papa Bom" Ambos são provas de que Deus continua amando e acompanhando o mundo com um carinho especial.
CNBB, 29-04-2014.
*Dom Murilo Krieger é arcebispo de Salvador (BA).

Sociedade deve mudar padrão de consumo

Segundo IPCC, avanços tecnológicos não bastam para resolver mudanças climáticas.


A vice-presidente do Grupo de Mitigação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Suzana Kahn, disse nessa terça-feira (29) que apenas o emprego da tecnologia não vai resolver os problemas decorrentes das mudanças climáticas. Para ela, se a humanidade quiser limitar o aumento de temperatura a 2 graus Celsius até 2100, é preciso mudar o padrão de consumo e de comportamento.

"A tecnologia pura e simples não vai resolver o problema. Além de ter que cortar profundamente as emissões (de gases de efeito estufa), é preciso que se mude radicalmente comportamentos e padrões de consumo insustentáveis", disse ela, em audiência pública na Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas, no Senado, sobre o mais recente relatório do IPCC.

Uma das principais mensagens da terceira e última parte do quinto Relatório de Avaliação do IPCC, divulgada em Berlim, na Alemanha, no dia 13 de abril, é a necessidade de uma profunda "descarbonização" da geração de energia para estabilizar a concentração de dióxido de carbono até o final do século.

"O crescimento das emissões de gases de efeito estufa foi o maior da história em 2010 e 80% do aumento das emissões se devem à queima de combustíveis fósseis, o que torna a questão do aquecimento global um problema de uso de energia. O vilão é o modelo de desenvolvimento (econômico) com um consumo excessivo de energia e dos combustíveis fósseis", disse Suzana, uma das autoras do documento.

A vice-presidente acrescentou que as cidades são a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa e serão as mais afetadas pelos os impactos das mudanças climáticas. "As cidades consomem mais da metade da energia mundial e as áreas urbanas devem triplicar entre 2000 e 2030."

Pela importância das cidades para o aquecimento global, os próximos relatórios do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas vão focar em análises e diagnósticos das cidades brasileiras entre 2014 e 2016, informou Suzana, que também é presidente do Comitê Científico do painel brasileiro.
Agência Brasil

Propaganda, consumo e destruição

Marcus Eduardo de Oliveira

A lógica do sistema produtivo que aí está é uma só: é preciso consumir cada vez mais.

Para atender essa prédica, deve-se produzir cada vez mais. Esses dois processos – produção/consumo – em ritmo e escala cada vez mais alucinantes, exige a exploração dos recursos da natureza. Quanto mais se exploram os recursos naturais, mais escassos se fazem, aumentando consideravelmente a poluição, degenerando os ecossistemas, super aquecendo o planeta, provocando substanciais mudanças climáticas.

Com o consumo acelerado como está, “estamos” gastando uma Terra mais 40%. Em outras palavras: o planeta está sendo estressado em 40%.

Para “alimentar” essa engenhosidade chamada produção/consumo excessivos, a publicidade não mede esforços para propagar a “necessidade” de tudo se consumir, gastando para isso fortunas em divulgação de produtos, a maioria de verdadeiras suntuosidades.

Não por acaso, a publicidade mundial é o segundo maior orçamento do planeta, perdendo apenas para a indústria bélica.

É oportuno, a esse respeito, destacar uma passagem encontrada em “O Cuidado Necessário”, de Leonardo Boff (2012, p.97): “O marketing, a grande arma de sedução no capitalismo, conseguiu criar uma subjetividade coletiva que se acostumou ao consumo. Ele produziu uma cultura do consumo que virou consumismo. Nesta perspectiva, as pessoas compram e consomem coisas das quais, em grande parte, não precisam. Basta constatar que 95% do que é oferecido nos shoppings, verdadeiros templos do consumo humano, não são necessários para se viver com dignidade”.

O resultado dessa cultura massiva de consumo dinamizou o modo de produção industrialista, consumista, perdulário e poluidor, fazendo da economia eixo articulador capaz de promover a falsa noção de progresso, uma vez que transforma tudo em mercadoria e faz do acesso aos bens materiais condição paradigmática de “prosperidade”.

O resultado de tudo isso, de uma destruição ambiental “patrocinada” por um consumo perdulário e tacanho, foi evidenciado no trabalho dirigido pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre os anos 2001 e 2005, intitulado “A Avaliação Ecossistêmica do Milênio” que constatou que dos 24 serviços ambientais essenciais para a vida, como o ar e a água limpos, regulação dos climas, o solo, os mares e oceanos, a energia etc, 15 deles se encontravam em processo de degradação acelerada.

Cabe então indagar: quem está conduzindo essa destruição? As 500 milhões de pessoas mais ricas do mundo (7% da população) são responsáveis por 50% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto 3,5 bilhões mais pobres (50% da população) respondem apenas por 7% das emissões, produtoras do aquecimento global, conforme artigo publicado no New Scientific, de setembro de 2009.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo | prof.marcuseduardo@bol.com.br

Da esperança cívica

O próximo governante terá que mostrar competência ou carregar o legado de ter naufragado o país.

Por Alexandre Kawakami*
Como é sabido, o próximo governo vai sentar-se à mesa para pagar a conta. Ao contrário do governo atual e seu antecessor, que tanto tiveram a seu favor no cenário macroeconômico, o próximo, independente de quem seja, vai ter de mostrar competência ou carregar o legado de ter naufragado o país, ainda que as causas o antecedam. E olhando para os que se oferecem a nos governar, é tentador, senão cauteloso, achar que vão falhar todos.
Isto porque as soluções para as grandes questões que o próximo governo deve enfrentar muitas vezes não dependem todas de ajustes técnicos ou mudança legislativa. Dependem, sim, de sua capacidade de inspirar os que aqui vivem. Precisamos, antes de mais nada, de mais esperança, uma esperança cívica, agregadora, construtiva. É desta esperança que se constroem nações. O resto são meros países.
Tome a questão da estagflação, por exemplo. Como o nome indica, é a mistura perversa de inflação e estagnação econômica: a situação onde, ainda que o governo aumente a disponibilidade de dinheiro dentro de um economia, esta não cresce. É indiscutível que estamos passando por uma, ainda que possamos discutir sua gravidade.
Pois a estagflação tem um forte componente psicológico, ainda que sua origem tenha caráter quantitativo. É resultante da ânsia dos atores econômicos em aumentar seus ganhos imediatos através de preços cumulada à hesitação dos atores em realizar novos investimentos. Ambas as decisões pressupõem uma decisão humana pessimista, de curto prazo, desesperada. Quando reforçadas por fatores externos como a degradação de nossa qualificação de crédito soberano (rating) da Standard & Poors e outras agências, este quadro apenas piora, quando não se torna um círculo vicioso.
O mesmo pode ser dito da questão da segurança. Ao contrário do que pensam os sociólogos marxistas, não existe correlação causal entre escassez financeira e aumento da criminalidade. O que parece existir é uma correlação patente entre um ambiente sócio-cultural favorável ao crime e o aumento da criminalidade.
O crime é inerentemente contrário a tudo o que nos faz humanos: a ameaça à vida, a violação do patrimônio alheio são decisões que não nos são naturais e que precisam de racionalização e justificativa dentro de nossa psique. Onde estas racionalização e justificativa inexistem, o crime tende a ocorrer em menor número. Onde elas abundam, o crime prospera.
Acho que agora me entendem quando digo que carecemos de esperança cívica. Precisamos de uma razão, um espaço, uma plataforma, um ambiente onde possamos tomar decisões de longo prazo e de vantagens mútuas. Onde os preços se definem na presunção de estabilidade, e assim também os investimentos se realizam. Onde é mais recompensador adquirir meios pelo esforço do que pela força ou malícia. Onde podemos ser um aglomerado de indivíduos que cooperam e não que se digladiam.
Agora, olhem para os candidatos que se apresentam para fazer com que isto ocorra. É desanimador e dispensa comentários. Nenhum deles, no sentido mais literal da palavra, inspira confiança.
Mas é forçoso reconhecer que a oposição goza de uma vantagem considerável: todos nós já sabemos que a continuação do governo atual não trará novidades, que o governo atual é incapaz de se reinventar. E qualquer alternativa a este grupo será melhor, no mínimo, porque trará algum tipo de esperança. Se não a cívica que menciono, pelo menos algo próximo a um tipo de curiosidade misturada a um alívio temporário resultante da despedida destes que nos governam. Estes que são tão claramente mentirosos, incompetentes, presunçosos e ignorantes. Estes que são incapazes de sequer construir uma frase.
Se ao menos tivéssemos uma oposição, quero dizer.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

A história do neto que virou 'pai' da avó

Estudante compartilha na internet experiência de deixar tudo para cuidar da avó com Alzheimer.

Por Fabiana Cambricoli
Compartilhar a dor não é sofrê-la no coletivo, é livrar quem dela sofre. Foi com esse lema que o estudante Fernando Aguzzoli decidiu dividir com milhares de seguidores a experiência de virar o pai da própria avó e fazer dessa relação um exemplo de como lidar de forma leve com o Alzheimer.
Em janeiro de 2013, aos 21 anos, o jovem de Porto Alegre decidiu largar a faculdade de filosofia e o emprego para passar 24 horas ao lado da avó, diagnosticada com Alzheimer cinco anos antes. Aos 79 anos, Nilva Aguzzoli, ou a Vovó Nilva, como ficou conhecida nas redes sociais, passou a ter o neto como cuidador em tempo integral.
"Desde o início da doença, eu e meus pais sempre cuidamos, mas, em 2013, quando percebi que ela estava chegando a um estágio mais avançado da doença, pensei que, em breve, ela poderia nem nos reconhecer mais, e decidi que queria ficar direto com ela. A partir daí, tomei a decisão de levar tudo na esportiva", conta Fernando.
Em setembro, o jovem teve a ideia de criar uma página no Facebook onde passou a relatar de forma bem-humorada histórias do cotidiano de uma família com um membro com Alzheimer. "Sempre busquei informação sobre a doença e tudo o que eu encontrava era deprimente", conta. Nas postagens, os esquecimentos da Vovó Nilva viravam motivo de risada.
"Foi superpositivo para mim, para ela e para os meus pais. A realidade dela era completamente diferente, mas era muito bonita. As coisas eram lindas, as pessoas não morreram. Quem sou eu para tirar isso dela?", diz.
E era com bom humor que Fernando enfrentava os desafios diários. "Quando ela teve de usar fralda pela primeira vez, ficou incomodada. Então, eu coloquei uma fralda em mim e rimos juntos", conta.
A história acabou atraindo a curiosidade de internautas e a admiração de familiares de pacientes com Alzheimer.
Com o sucesso, Fernando e a avó passaram a escrever um livro que, além de contar as histórias engraçadas, terá dicas de como a família pode lidar com diversas situações vividas por um paciente com a doença. A iniciativa atraiu a atenção de médicos do Rio Grande do Sul, que participam da publicação com orientações técnicas. O livro deve ser lançado em setembro.
Vovó Nilva acabou morrendo em dezembro, por complicações de uma infecção urinária. Apesar da frustração, Fernando decidiu manter a página na internet, que hoje já tem 15 mil seguidores. "Mantive por consideração às pessoas que me deram apoio, pela escassez de informações sobre a doença e, principalmente, porque é uma forma de deixar a minha avó viva."
Benefício
Posturas como a de Fernando podem até ajudar a adiar a evolução da doença, segundo Cícero Gallo Coimbra, professor de Neurologia e Neurociências da Unifesp. "Na maioria dos casos, a atitude da família é cobrar e repreender o parente nos episódios de esquecimento. Essa cobrança leva ao pânico e ao estresse, que bloqueiam a produção de novos neurônios e pioram um quadro de demência", explica o especialista. "A maioria das famílias deixa o parente com Alzheimer no ostracismo, e o que ele mais precisa é de acolhimento afetivo."
E essa foi a missão de Fernando. "Quando eu e minha mãe decidimos levar a vó para realizar o sonho dela, que era conhecer as Cataratas do Iguaçu, muitos perguntavam por que íamos gastar dinheiro com a viagem se, dez minutos depois, ela não lembraria do passeio. Mas, para nós, não importava se ela lembraria, importava a felicidade que ela teria naquele momento."
O Estado de S. Paulo, 26-04-2014.

As bananas da Casa Grande

Cultura brasileira ainda enxerga a realidade pelo paradigma da "Casa Grande e da senzala".

Por Renato Ferreira Machado*
O Brasil deve 200 anos de trabalho não remunerado aos descendentes das pessoas que vieram do continente Africano para cá em situação de escravidão. Assim falava o saudoso Giba-Giba, que nos deixou no início deste ano, com toda a sabedoria que a ancestralidade da Mãe África lhe conferia. Isso é fato. Ao contrário, porém, do que costumam dizer alguns juristas – que contra fatos não há argumentos – sabe-se que fatos podem ser distorcidos. E a distorção deste fato, em especial, é um dos determinantes da cultura de racismo velado que predomina em nosso país.
Grosso modo, a cultura brasileira enxerga a realidade através de um par de óculos bastante peculiar: através de uma lente, a realidade é vista pelo paradigma da "casa grande e da senzala". Pela outra lente, que complementa a primeira, assume-se como verdade que a casa e a rua são realidades opostas e incomunicáveis. O que sustenta estas duas lentes é a armação da violência. Sabe-se que, quando alguém precisa usar óculos, é porque seu aparelho ótico natural já não consegue decodificar os sinais visíveis do ambiente de forma clara o suficiente para o cérebro. As lentes, utilizadas para a correção ocular, porém, tornam o ambiente reconhecível através de sua distorção: a pessoa volta a “enxergar bem” porque as lentes combinam sua distorção com o problema ocular orgânico, criando a ilusão de ótica de que voltou-se a ver as coisas como elas são. Os óculos brasileiros também são assim.
Primeiro, aprendemos que o Brasil é o país da miscigenação. Que para cá vieram vários povos e que estes povos deram origem à identidade brasileira, tal como a conhecemos. O que custamos a enxergar é que estes povos não vieram para cá de comum acordo, em busca do novo paraíso terrestre: os europeus de Portugal e Espanha vieram explorar riquezas; os africanos vieram escravizados, para sustentar a exploração promovida pelos portugueses e espanhóis; os europeus da Itália, Alemanha e outros países, que vieram depois, eram os pobres daquele continente, que precisavam atravessar o oceano para não morrer de fome; e os indígenas, que já estavam aqui, tornaram-se estrangeiros em sua própria terra. Desta forma, toda a saudada miscigenação se deu sob o paradigma da exploração de mão de obra de povos quase sem opção, a não ser vir trabalhar aqui. A lente da “casa-grande e da senzala” nos levará a ver estes fatos como história superada, pois os escravos foram libertos, os europeus prosperaram e os indígenas tiveram seus direitos reconhecidos. O problema desta visão é o “ponto cego”, onde não enxergamos que todas estas mudanças se deram por vontade unilateral da elite que mantinha todo poder econômico em suas mãos. O que nos leva à segunda lente.
De certa maneira, o território doméstico, em nossa cultura, é uma imitação da casa grande. Dentro de sua casa, uma família é soberana. Estão em um lugar seguro, conquistado por seus esforços, onde reina a paz, a harmonia e tudo aquilo que uma família deve semear para reconhecer-se como família. Uma casa é um lugar a salvo dos perigos da rua, que é lugar de ninguém, onde todos são ameaças e onde a segurança só existe pela coerção do Estado. Por enxergarmos as coisas assim é muito custoso, por exemplo, compreender a violência doméstica como violência: afinal, se é doméstica, é particular e deve ser resolvida entre as quatro paredes da casa. O mesmo vale para a pedofilia, que na maioria dos casos, é um segredo de família muito bem guardado. Aliás, quando estes segredos passam da porta, inicia-se o processo de ruína da casa, pois ela se mostra uma extensão da rua. Só que a rua, na verdade, é o fator que realmente constitui a identidade de uma cidade e, por consequência, a cidadania de seus habitantes. Não se forma uma sociedade entre os muros dos condomínios e muito menos no interior dos shopping centers. A dicotomia entre casa e rua, por isso, reforça a visão da primeira lente: quem habita a casa é senhor. Quem está fora dela sobrevive com as migalhas e benevolências deste senhorio, aceitando estas ofertas generosas com gratidão e humildade.
Sustentando tudo isso está a armação da violência. Afinal, a casa precisa ser protegida e defender-se é um direito dos que habitam a casa. Quem está na casa é o “cidadão de bem”. Portanto, na rua, estão aqueles que não são “de bem” e ameaçam a sociedade como um todo. É preciso segregá-los, separá-los e mostrar-lhes que não se brinca com a segurança daqueles que habitam a casa. Da mesma forma, é preciso ensinar aos jovens habitantes da casa que eles precisam se esforçar e trabalhar bastante, ou acabarão na rua, que é um lugar ameaçador. Assim, justifica-se uma educação moralista, que violenta crianças e jovens em nome de supostas “oportunidades” no mercado. Justifica-se os excessos do senhorio, que se dá direito à diversão, uma vez que trabalha muito e sustenta o próprio país. Ao mesmo tempo, não se tolera a festa dos que são da rua, pois deveriam estar trabalhando para terem uma “vida melhor”. Aos da casa, a razão e o prestígio. Aos da rua, o peso da lei. A armação da violência, sustentando estas duas lentes culturais, nos leva a assumir como naturais grandes desigualdades históricas e a pensar que o empobrecimento de boa parte de nossa população é simplesmente um resultado de falta de esforços por parte destes pobres. Com isso, chegamos às bananas.
Circulam, nas redes sociais, fotos e declarações de celebridades, como Luciano Huck, Angélica, Neymar, entre outros, empunhando bananas e afirmando: somos todos macacos. Essa corrente se originou por conta de recentes ataques racistas a jogadores de futebol, nos quais os atletas eram chamados de macacos pela torcida, que ainda jogava ao campo algumas cascas de banana. Recorrendo a Darwin, iniciou-se a campanha. Só há um problema: as bananas são da casa grande. As bananas são alimento dos habitantes da casa. Assim, novamente a casa-grande dá uma carta de alforria aos moradores da senzala, defendendo-os bravamente e dizendo “somos todos iguais”. Em uma cultura como a nossa, o mais difícil é admitir que não somos iguais. É exatamente o contrário: somos todos diferentes. E não somos diferentes apenas porque alguns habitam a casa e outros habitam a rua: somos diferentes porque somos humanos e tanto a casa quanto a rua são lugar de pluralidade. Aliás, um dos pilares de nossa violência se encontra na suposição da igualdade, pois ela funciona como um molde no qual todos precisam se encaixar. Por isso, o problema dos habitantes da casa com as políticas de inclusão social não se dá tanto pelo fato dos habitantes da rua terem acesso a emprego, renda e educação, mas no fato destes, ao ocuparem espaços supostamente dedicados aos primeiros, não se deixarem moldar pela cultura deles. A afirmação de identidade é a grande ameaça, pois ela confundirá os espaços e abrirá as portas da casa àquilo que parece estranho a ela.
Cadernos Teologia Pública, nº 84.
*Renato Ferreira Machado é doutor em Teologia.

#somostodosmacacos reproduz racismo

A campanha lançada pelo jogador Neymar Jr. gerou polêmica e divide opiniões.


A campanha lançada pelo jogador Neymar Jr. gerou polêmica. De um lado, artistas, jornalistas e até a presidente Dilma Rousseff manifestaram apoio à ideia de que "temos todos a mesma origem, e nada nos difere", conforme escreveu a presidente, pelo Twitter. De outro, integrantes do movimento negro usaram as mesmas redes sociais para criticar a campanha #somostodosmacacos.

O professor de história e integrante da UNEafro Brasil, Douglas Belchior, avalia que a postura do jogador Daniel Alves, que comeu uma banana jogada contra ele, em partida realizada no último domingo (27), foi "interessante, provocativa", mas ele critica a campanha deflagrada em seguida. De acordo com Belchior, a associação de negros a macacos é uma forma de reprodução do racismo. Em seu blog, ele divulgou texto que explica as origens dessa compreensão: a tese evolucionista de que os seres humanos possuiriam diferenças provocadas pela seleção natural, e de que africanos e aborígenes estariam mais próximos dos macacos do que os europeus, por exemplo.

A polarização foi acentuada nesta terça, quando a origem da campanha, iniciada com a divulgação da foto de Neymar segurando uma banana, ao lado do filho, foi revelada. A imagem faz parte de uma campanha publicitária criada pela agência Loducca, em resposta ao pedido do pai do jogador, Neymar da Silva Santos, que procurou a empresa após o filho e Daniel Alves terem sido vítimas de racismo, na final da Copa do Rei, entre Barcelona e Real Madrid, no último dia 16.

No vídeo de divulgação da campanha #somostodosmacacos, os idealizadores da proposta expressam opinião sobre como deve ser enfrentada a desigualdade racial: "A melhor maneira de acabar com o preconceito é tirar seu peso, fazendo a pessoa preconceituosa se sentir sem poder", diz a frase que aparece sobre imagens de crianças negras jogando. "Uma ofensa só pega quando irrita você. Vamos acabar com isso. #somostodosmacacos", conclama, usando a hashtag que já virou produto da marca do apresentador Luciano Huck, que também publicou foto com bananas.

Pelas redes sociais, a jornalista Aline Pedrosa defende a iniciativa: "Mesmo sendo branca, me reconheço com traços dos meus ancestrais, que são negros. Não nego minhas origens, muito pelo contrário, as estudo e as exalto. Para mim, a mobilização significa união – todos somos um – e, acima de tudo, desprezo a uma atitude vergonhosa como essa, e que, sabemos, não rola só fora do Brasil, muito pelo contrário".

O cineasta Joel Zito de Oliveira, que dirigiu o filme A Negação do Brasil, que trata da representação dos negros na mídia, avalia a campanha como um "equívoco" por esconder a negritude e não ser capaz de enfrentar o racismo. Ele considera que a grande proporção obtida pela iniciativa também está relacionada ao conteúdo dela. "Tudo que é feito, e que de fato não incomoda e não muda a questão racial no Brasil, tende a ter aceitação mais fácil", afirma. "Branco comendo uma banana ou colocando sobre a cabeça pode virar Carmem Miranda, carnaval. Com o negro é outra coisa. Mas a postura da sociedade brasileira sempre foi no sentido de evitar o confronto", critica.

Ao ser questionado sobre como as mídias sociais repercutiram o caso, ele foi otimista: "Elas podem ser apropriadas para dar visibilidade a vozes que não tinham acesso às grandes mídias". Por meio dessas mídias, casos como a morte do dançarino Douglas Rafael (conhecido como DG) e o desaparecimento do pedreiro Amarildo vieram à tona. "A novidade não é o desaparecimento, a morte ou o racismo. A novidade é que o questionamento das populações negras mais pobres é feito nas mídias sociais e chega à grande mídia".

Já Douglas Belchior diz que a hashtag "tenta esconder as desigualdades raciais, a violência, o extermínio, e reforça a ideia de que no Brasil se vive uma democracia racial". Para ele, a campanha cumpriu um "desserviço" ao mudar o foco da discussão pública do assassinato do dançarino DG, no Rio de Janeiro, para uma campanha que propõe o apaziguamento dos problemas.

"Vivemos no Brasil uma escalada assombrosa da violência racista. Esse tipo de postura e reação despolitizadas e alienantes de esportistas, artistas, formadores de opinião e governantes têm um objetivo certo: escamotear seu real significado do racismo, que gera desde bananas em campo de futebol até o genocídio negro, que continua em todo o mundo", alerta.

Para a Agência Brasil, a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, assinalou que a campanha é superficial e busca transformar a imagem do macaco em algo positivo, quando tem um significado essencialmente negativo para negros e negras. "O que existe é uma tendência de considerar o racismo como um fenômeno superficial na sociedade brasileira, ou em qualquer outro lugar do mundo; algo que se manifesta como um dado isolado, como uma expressão de indivíduos que praticam atos racistas", avalia.

A ministra espera, contudo, que a provocação seja "uma porta de entrada para que a sociedade possa aprofundar as questões". A lição a ser tirada, segundo ela, é que "o combate ao racismo vai precisar de uma manifestação contrária de toda a sociedade brasileira, mas para isso precisaremos ir mais fundo, identificando outras repercussões do racismo, que não se expressam só no futebol".

As manifestações de racismo no âmbito do esporte, sofridas também por Tinga, do Cruzeiro, e outros jogadores, não são novas. Na década de 1910, jogadores do América chegaram a utilizar pó de arroz para se parecerem com brancos. Já em 1924, o Vasco da Gama redigiu a chamada Resposta Histórica, carta em que nega a exigência da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos para que se desfizesse dos 12 jogadores negros, mulatos, nordestinos ou pobres que atuavam na equipe.

Agora, 90 anos depois, o Brasil está prestes a sediar a Copa do Mundo, e deve fazer uma campanha contra a discriminação racial durante o campeonato, conforme anunciado pela presidente Dilma Rousseff, no domingo (28). A ministra Luiza Bairros informou que a Seppir participa da elaboração da campanha, e espera que o país "seja capaz de mandar para o mundo e para a sociedade brasileira, especificamente, a mensagem de que o racismo não pode ser tolerado no futebol nem em nenhum espaço da sociedade".

Já Douglas Belchior torce para que o mundial seja também espaço de visibilidade dos problemas do país: "A Copa do Mundo coloca o Brasil na vitrine do mundo. A posição dos movimentos é aproveitar esse momento para escancarar uma realidade que é maquiada, no Brasil. Nós queremos demonstrar que vivemos um genocídio, que vivemos sob a égide de polícias extremamente violentas e que atingem sobretudo a população negra".

O cineasta Joel Zito espera que a campanha a ser veiculada seja capaz de aprofundar a abordagem sobre a questão racial: "Aproveitar a oportunidade da Copa para realizá-la é muito bem-vinda. Inclusive porque a sociedade brasileira vai conviver com segmentos culturais com os quais nunca conviveu. Segmentos que recebem, há anos, a ideia de que o Brasil vive uma democracia racial. Ela (campanha) é necessária, bem-vinda, mas tem que ser inteligente", defende.
Agência Brasil