Queria saber se havia no escritor algum traço da personalidade de Chicó, do "Auto da Compadecida". Na peça, Chicó demonstra covardia diante da morte. 

Para minha surpresa, Ariano Suassuna fez uma reflexão profunda sobre o tema.

No texto, ele escreveu que achava que não tinha a covardia do Chicó, mas também não podia afirmar que teria coragem. 

"Acho que só poderei saber disso se, no momento da morte  e caso minha agonia me dê tempo para avaliar o que está acntecendo  eu olhar sem pavor a aproximação da Moça Caetana". 

Ariano Suassuna costumava chamar a morte de "Caetana". 

Veja abaixo a transcrição e a reprodução do manuscrito revelado no programa "Conversa com Bial", da TV Globo, em homenagem a Suassuna, que se tivesse vivo, completaria 90 anos.


Meu caro GERSON CAMAROTTI:

Você me fez uma pergunta sobre a covardia de Chicó, indagando se eu me pareço com ele nesse traço. Não sei. Acho que, na vida, até hoje, só houve, para mim, uma situação de sério risco de vida: eu vinha em avião que começou a pegar fogo. Eu me portei bem, mas não sei se foi por coragem ou por ser uma pessoa que, por temperamento, sempre acha que tudo vai dar certo. Quer dizer: pode ter sido coragem, mas pode também ter sido otimismo imbecil.

Por isso, acho que não sou covarde, como Chicó; mas também não posso afirmar que tenha coragem. Acho que só poderei saber isto se, no momento da morte  e caso minha agonia me dê tempo e condições para avaliar o que está acontecendo  eu olhar sem pavor a aproximação da Moça Caetana.

Um abraço de

Ariano Suassuna