sábado, 15 de julho de 2017

Francisco e o G20: um catolicismo universal cada vez mais "sem lugar"

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A obra do Papa Francisco de libertação da Igreja Católica do Ocidente prossegue em uma estrada de solidão semelhante.
O catolicismo e as democracias ocidentais têm sido parceiros em um diálogo nem sempre fácil há alguns séculos.
O catolicismo e as democracias ocidentais têm sido parceiros em um diálogo nem sempre fácil há alguns séculos. (AFP)
Por Massimo Faggioli

A solidão política global do papa, que não depende das suas decisões, apareceu claramente na sua mensagem ao G20 de Hamburgo na semana passada.

O Papa Francisco recebeu no Vaticano o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, há cerca de sete semanas. E qualquer analista político ou observador vaticano honesto pôde ver claramente que, entre os dois, houve diferenças e divergências. Alguns dias depois, se tornaria evidente o isolamento de Trump depois do anúncio da Casa Branca da retirada dos Estados Unidos do acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.

O que se pode notar, à luz do que aconteceu nessas últimas sete semanas, é que o papa também está cada vez mais isolado no cenário mundial.

Francisco (analogamente a João XXIII) está experimentando não apenas uma “solidão institucional” dentro do aparato vaticano, mas também um “sem lugar” político global do catolicismo. Isso não porque tanto ele quanto Donald Trump sejam “populistas”. Na realidade, os seus “populismos” são absolutamente diferentes e antitéticos. A solidão, ao contrário, depende do fato de que a Igreja Católica e o Ocidente estão se afastando um do outro.

Enquanto o papa tentar libertar o catolicismo da sua dominação euro-ocidental, Trump está acelerando o declínio justamente daquele Ocidente que ele havia jurado que defenderia, na Polônia, na semana passada, ao fazer um discurso com elementos especificamente nacionalista-teológicos.

De forma paradoxal, o efeito de Trump na América e no Ocidente é instrumental à libertação da Igreja em relação à sua jaula ideológica, isto é, a relação simbiótica entre o catolicismo e “o Ocidente”.

A obra do Papa Francisco de libertação da Igreja Católica do Ocidente prossegue em uma estrada de solidão semelhante. É algo não tão facilmente tratável como a “solidão institucional” que ele experimentou dentro da Cúria romana, que pode ser remediada com uma maior atenção às nomeações, por exemplo, no infeliz caso do cardeal australiano George Pell, que foi tornado czar das reformas financeiras vaticanas.

Mas a solidão política global do papa, que não depende das suas decisões pessoais, aparecia claramente na sua mensagem à cúpula do G20 de Hamburgo na semana passada. A importância dada por Francisco à “necessidade de dar prioridade absoluta aos pobres, aos refugiados, aos sofredores, aos deslocados e aos excluídos, sem distinção de nação, raça, religião ou cultura, e de rejeitar os conflitos armados” deve ser lida no contexto do crescente isolacionismo das nações que estão recuando diante da emergência global dos refugiados e dos migrantes.

A frustração do papa nessa mensagem aparece quando ele pede, com insistência, que o G20 construa uma política que leve em conta os objetivos internacionais de desenvolvimento e o real comportamento das nações e dos seus governos.

“No entanto, isso (tal desenvolvimento) não será possível se todas as partes não se comprometerem a reduzir substancialmente os níveis de conflitualidade, a frear a atual corrida armamentista e a renunciar a se envolver direta ou indiretamente nos conflitos, assim como se não se aceitar a discutir, de modo sincero e transparente, todas as divergências”, insistiu.

“É uma trágica contradição e incoerência a aparente unidade em fóruns comuns de fins econômicos ou sociais, e a desejada ou aceita persistência de conflitos bélicos”, lamentava o papa.

Mas a frustração e o isolamento fazem parte de um fenômeno muito mais amplo, isto é, o crescente e global “sem lugar” dos católicos. A esse respeito, podemos destacar três fatores diferentes.

O primeiro é o “sem lugar” político dos católicos dentro dos vários países. Nas últimas décadas, vimos, em países historicamente católicos e cristãos, a dissolução da maioria dos partidos “cristão-democratas” que eram o pilar da ordem do pós-Segunda Guerra Mundial (como na Europa) ou o afastamento de muitos católicos em relação a partidos que eram o lar político natural para operários e ex-imigrantes (como nos Estados Unidos com o Partido Democrata).

Esse “sem lugar” político está ligado à crescente proeminência de questões “biopolíticas” (do aborto à eutanásia), mas também às novas realidades do sistema econômico (como o colapso dos sindicatos e o surgimento de uma economia globalizada). Esse primeiro fator já está sendo analisado em livros de história, já que ele começou a se tornar aparente há pelo menos três décadas.

O segundo e terceiro fatores são novos. Um deles é o afastamento dos católicos em relação à ideia de responsabilidade política “como uma nobre vocação e uma das mais altas formas de caridade, já que ela busca o bem comum”. Esse afastamento é causado pela noção de que a política é uma escrava da economia da globalização, assim como pelas recentes teologias antipolíticas que são especialmente populares em círculos acadêmicos (tanto liberais quanto conservadores) no mundo anglo-saxão.

Durante os últimos dois séculos, a Igreja institucional e o Vaticano aprenderam do modo mais difícil a manter uma distância adequada da política secular. O fato de a Santa Sé ser agora um dos últimos defensores da nobreza da política é um dos paradoxos do nosso tempo.

No entanto, não há mais um ponto de vista “católico” sobre a política. O debate político dentro dos círculos eclesiais é muito mais profundo do que “progressistas versus conservadores”. Agora, ele está muito mais focado em tentar resolver os problemas de todos nós juntos. O recente best-seller de Rod Dreher, The Benedict Option, por todas as suas inconsistências históricas e teológicas, é uma prova de que a conexão espiritual e intelectual entre a fé cristã e a responsabilidade política está em uma crise profunda.

A perigosa tentativa, na minha opinião, de preparar um radical “despensamento” da política no Estado laico é bem representada por teólogos altamente respeitados que estão tentando atualmente remodelar a dimensão política da Igreja ao “resgatá-la” da persuasiva e complicada realidade do seu engajamento com o secular, o multicultural e o multirreligioso. Uma recente involução teológica contribuiu para o “sem lugar” político dos católicos. E essa é uma parte essencial da Igreja liderada pelo Papa Francisco em comparação com a Igreja liderada pelos seus antecessores.

O terceiro e último fator é um “desabrigo” geopolítico dos católicos, particularmente em relação ao hemisfério do Atlântico Norte. Até poucos anos atrás, os fiéis nos Estados Unidos e na Europa podiam olhar para o Atlântico e tentar reivindicar alguma superioridade sobre os seus colegas católicos do outro lado do oceano.

Os católicos europeus podiam apontar para o seu generoso sistema de bem-estar (criado por políticos cristão-democratas depois da Segunda Guerra Mundial) e para o seu sistema socioeconômico mais humano (mais próximo da importante encíclica social Rerum novarum, de Leão XIII, do que ao turbo-capitalismo dos Estados Unidos). Os católicos estadunidenses, por outro lado, podiam se vangloriar de que os Estados Unidos não eram tão secularizados quanto a Europa e que os seus políticos encarnavam uma “nação cristã”.

Mas, então, veio a crise da Europa e da União Europeia. Ela foi seguida pela eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e pelo debate sobre os “Estados Unidos pós-cristãos”. Esses eventos desenganaram os católicos em ambos os lados do Atlântico em relação à ilusão de que eles eram “mais cristãos” do que outros.

A presidência Trump forçou a credibilidade do excepcionalismo estadunidense e a reivindicação dos Estados Unidos de serem uma “nação cristã”. De um modo menos evidente mas inegável, os líderes políticos católicos europeus como Matteo Renzi, na Itália, e Emmanuel Macron, na França, adotaram uma linguagem protecionista e nacionalista contra os migrantes e refugiados, que está cada vez mais em contraste com a mensagem do Papa Francisco.

Angela Merkel, da Alemanha, uma luterana, parece ser a última líder europeia com a qual o papa realmente pode contar. Não é por acaso que ela é a pessoa do Velho Continente com quem ele mais se encontrou – seis vezes.

Esse terceiro e último fator indica que a globalização do catolicismo necessariamente significa que a própria distância da Igreja da sua base histórica, não apenas teológica e espiritualmente (a “inculturação” da fé), mas também política e ideologicamente.

O catolicismo e as democracias ocidentais têm sido parceiros em um diálogo nem sempre fácil há alguns séculos. Agora, há um papa que prega o Evangelho em um mundo cada vez mais dominado por poderes sem conexão histórica com o catolicismo (como a Rússia, a China e a Índia) ou onde as velhas conexões se tornaram muito mais fracas (como na Europa e nos Estados Unidos Estados). E a saúde da democracia em importantes países católicos, como a Polônia, as Filipinas, o Brasil e a Venezuela, não é reconfortante. Muito pelo contrário. 

Não estão totalmente claras quais serão as consequências a longo prazo desse processo contínuo de “sem lugar” político global da Igreja – seja para o catolicismo, seja para o mundo.

La Croix International, 10-07-2017. Tradução é de Moisés Sbardelotto.

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