terça-feira, 30 de abril de 2013

«Todo o progresso do mundo não vale o choro de uma criança faminta»

Como se conjuga o verbo rapio?
Frase de Dostoiewski: «Todo o progresso do mundo não vale o choro de uma criança faminta».  
Então específico. Quanto choro, estão a provocar os desmandos de quem manda, a irresponsabilidade de quem se acha dono da verdade e que faz sempre as melhores opções do mundo? Quanto choro no rosto de crianças sem pão, sem alegria para brincarem e aprenderem com as devidas condições básicas? Quanta lágrima escorre no rosto por causa da depressão e da angústia de ver o armário e o frigorífico vazios porque faltou o dinheiro para comprar dignamente o necessário para a mesa? - E lá vamos nós a ver passar as obras loucas e desnecessárias, as revisões constitucionais como se com isto resolvêssemos as tragédias que afectam grosso modo a nossa população nos dias de hoje... 

Esta frase pode ser uma inscrição para todos aqueles que fazem fé absoluta na austeridade ou até mesmo no progresso desenfreado sem ter em conta as pessoas. Mais ainda serve para lançar à cara de políticos irresponsáveis que foram bem caracterizados há muito tempo pelo Padre António Vieira, no Sermão do Bom Ladrão, mas que se reveste de uma actualidade impressionante e desconcertante. Repare-se: «O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera; os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue muito bem São Basílio Magno. Não só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam. 
Diógenes que tudo via com mais aguda vista que os outros homens viu que uma grande tropa de varas e ministros da justiça levava a enforcar uns ladrões e começou a bradar: lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos... Quantas vezes se viu em Roma a enforcar o ladrão por ter roubado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo, um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província?... De Seronato disse com discreta contraposição Sidônio Apolinário: Nom cessat simul furta, vel punire, vel facere. Seronato está sempre ocupado em duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. Isto não era zelo de justiça, senão inveja. 
Queria tirar os ladrões do mundo para roubar ele só! Declarando assim por palavras não minhas, senão de muito bons autores, quão honrados e autorizados sejam os ladrões de que falo, estes são os que disse, e digo levam consigo os reis ao inferno» (...) «O que eu posso acrescentar pela experiência que tenho é que não só do Cabo da Boa Esperança para lá, mas também da parte de aquém, se usa igualmente a mesma conjugação. Conjugam por todos os modos o verbo rapio, não falando em outros novos e esquisitos, que não conhecem Donato nem Despautério» (...).
Ontem, porque foi 25 de Abril, vivido neste contexto em que vivemos de ataque feroz contra os indefesos do nosso país, onde a liberdade está ameaçada e onde nos vemos tomados de assalto, reli com entusiasmo o Sermão do bom Ladrão. Vamos lá e deliciem-se com as palavras do Padre António Vieira, pensando na lástima que são os actuais (des) governantes da nação e da região…

Blog: O BANQUETE DA PALAVRA

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