quinta-feira, 15 de junho de 2017

"Arautos do Evangelho", o fundador renuncia enquanto o Vaticano investiga.

 domtotal.com
Teria existido dentro da TFP e depois dentro dos "Arautos" uma espécie de sociedade secreta na qual se pratica o culto da mãe de Plinio Corrêa, do próprio Plinio e João Clá Dias.
Congregação para os Religiosos investiga se houve cultos milenaristas e exorcismos invocando os nomes dos fundadores.
Congregação para os Religiosos investiga se houve cultos milenaristas e exorcismos invocando os nomes dos fundadores. (Reprodução)
Por Andrea Tornielli

Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, de 77 anos de idade, fundador e superior geral da sociedade clerical de vida apostólica Virgo Flos Carmeli, também presidente da associação privada de fiéis "Arautos do Evangelho", a primeira nascida e aprovada neste novo milênio, renunciou. Com uma carta datada do dia 12 de junho de 2017 anunciou renunciar ao seu cargo para que um dos seus filhos espirituais "possa conduzir essa Obra àquela perfeição desejada por Nossa Senhora". João Scognamiglio Clá Dias acrescentou que "deixando esta missão não posso (nem poderia), diante de Deus, desistir da minha missão de padre", por isso ele falou: "continuarei à disposição de todos e cada um, por saber-me constituído por Deus como modelo e guardião vivo deste carisma confiado a mim pelo Espírito Santo".

A decisão inesperada do fundador estaria relacionada à investigação sobre os Arautos do Evangelho iniciada pela Congregação que lida com os assuntos da vida religiosa. Trata-se de uma investigação "profunda e séria" explicam as fontes do Vaticano, embora ainda não se tenham tomado decisões sobre uma possível visita apostólica. João Scognamiglio Clá Dias representa um dos dois ramos em que se havia dividido a associação fundada no Brasil nos anos cinquenta por Plinio Corrêa de Oliveira, pensador católico tradicionalista, de direita e contra revolucionário, criador da Associação TFP (Terra, família e propriedade). Após sua morte, aconteceu a separação do grupo: por um lado os "fundadores" que obtiveram o uso do nome TFP nos Estados Unidos e na Europa (a associação italiana é muito próxima da posição do Professor Roberto De Mattei, que nestes meses se dedica a apoiar as atividades dos quatro cardeais autores das "dubia" sobre a "Amoris Laetitia"). Por outro lado, João Scognamiglio Clá Dias, que recebeu os bens e o nome da associação no Brasil e que, após a morte de Plinio Corrêa (em 1995), fundou uma ordem religiosa e uma associação privada de leigos, com ramos masculino e feminino: os "Arautos do Evangelho". Conhecidos por seu hábito peculiar, um curto avental com uma cruz branca e vermelha gigante em seu peito, e botas semelhantes às dos ginetes. Os "Arautos" se espalharam em 78 países, têm muitas vocações, envolvendo milhares de jovens e têm sido particularmente apoiados pelo o cardeal esloveno Franc Rodè, durante o tempo em que ele era o Prefeito dos Religiosos.

A investigação do Vaticano parte, entre muitas outras indícios, de algumas letras e vídeos enviados a Roma por Alfonso Beccar Varela. Há pelo menos três anos, ele falou da existência, dentro da TFP e depois dentro dos "Arautos" de uma espécie de sociedade secreta "Semper Viva", na qual se pratica o culto da mãe de Plinio Corrêa, Donna Lucilia, do Plinio Corrêa mesmo e de João Scognamiglio Clá Dias. Um culto que a Igreja não permite. Os vídeos postados online por Alfonso Beccar Varela são frequentemente direcionados a outros sites da Internet, pelo que os "Arautos" estão tomando medidas legais no Brasil para resolver este problema sob as regras de copyright. São imagens que mostram exorcismos sem fórmulas aprovadas pela autoridade eclesiástica, mas acima de tudo mostram gravações de encontros entre o fundador e alguns sacerdotes. Tem-se bastante certeza de que são vídeos gravados com o consenso das partes interessadas, mas onde as autoridades vaticanas encontram elementos suficientes para aprofundar.

Dos diálogos e testemunhos surge certo milenarismo: alguns dos "Arautos" estão convencidos de que, graças à Virgem de Fátima está chegando uma espécie de fim do mundo em que monsenhor João Scognamiglio Clá Dias triunfará. Os sacerdotes dialogam sobre exorcismos em uso e anúncios do diabo em que o Fundador deles se tornará Papa ("As chaves pontifícias estão nas mãos do diabo, mas elas estão passando para as mãos de Dom João"), e as forças satânicas lhe temem mais do que qualquer coisa no mundo. Um demônio exorcizado de uma pessoa teria dito: "Jogue-me mais água benta, mas a água que passou pelas mãos de Dom João".

Fica claro nos vídeos que os nomes de Dona Lucilia, Plinio Corrêa e Monsenhor João são invocados nos exorcismos como sendo muito poderosos. De fato, eles são quase deificados. Como pode ser compreendido, há suficiente material para pedir explicações, embora haja pessoas que tentaram apresentar imediatamente a notícia da investigação do Vaticano (mas caindo por razões graves) como se fosse um ato "imperial" da Santa Sé para abafar as realidades mais próximas do tradicionalismo.

Massimo Introvigne, sociólogo que estudou durante anos os movimentos derivados de Corrêa de Oliveira, reuniu na biblioteca do Censor de Turim (Centro de Estudos sobre as Novas Religiões) da qual ele é o diretor, uma vasta documentação sobre este grupo religioso (como o mostra o artigo "Tradição, Família e Propriedade (TFP) e os Arautos do Evangelho: a economia religiosa do Conservadorismo Católico Brasileiro", "Comentário sobre a Espiritualidade alternativa e a Religião", outono de 2016). Introvigne afirma que "muitos indícios sugerem que dentro dos "Arautos do Evangelho" é praticado uma espécie de culto segredo e extravagante a uma espécie de trindade composta por Plinio Corrêa de Oliveira, sua mãe Donna Lucilia e Monsenhor Clá Dias". Acrescentou também que: “trata-se da continuação das práticas que começaram há cerca de 30 anos, por parte do Dias Clã e outros dentro do movimento de Corrêa de Oliveira, antes da morte deste último em 1995. Acho que é importante distinguir entre as obras de Corrêa de Oliveira (polêmicas, especialmente durante os últimos anos de sua vida, quando se aproximou daqueles que rejeitaram o Vaticano II, mas de considerável importância para a história do pensamento latino-americano do século XX) e ações dos seus presuntos ou verdadeiros herdeiros. Eu mesmo entrevistei três vezes Corrêa de Oliveira, e fiz várias vezes a pergunta sobre rumores de um culto secreto dele e de sua mãe, e sempre me disse que eram coisas de seus seguidores mais jovens, mas que em nada tinham sido encorajadas ou aprovadas por ele. Ele poderia ser culpado no menos de pouca vigilância. Mas para mim isso não invalida o valor de seus escritos".

Leia também a resposta dos Arautos do Evangelho.



Segue a carta na qual Monsenhor Días comunica sua renúncia:

Aos meus filhos espirituais,

Desde toda a Eternidade, o convívio entre Pai e o Filho, envolto nas amorosas labaredas do Espírito Santo, consistia, também em considerar todas as infinitas maravilhas que, em uníssono, a Trindade Beatíssima operaria na Obra da Criação. Diante de toda a glória e esplendor que as Três Pessoas Divinas derramariam sobre suas criaturas, o brilho de seu incomensurável amor reluzia ainda mais.

Porém, aos olhos do Verbo Eterno, pouco, ou quase nada, aquilo valia. O caminho mais glorioso era aquele reservado por Deus à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade: "Ele esvazio-se de sua glória, fazendo-se aos homens semelhante. Humilhou-se a si mesmo até a morte, e morte de Cruz."

No transcurso de sua vida terrena, o Verbo Encarnado não fez senão mostrar à humanidade que a via mais luminosa, e a única que conduz à verdadeira glória, é a via da abnegação e do sofrimento bem aceito. "Se alguém quer ser meu discípulo, negue-se a si mesmo, tome sua Cruz e siga-me".

Assim, considerando meus setenta e sete anos, sessenta deles de labor e sofrimento ao serviço da Santa Igreja Católica, tendo em vista claramente toda a envergadura e prodigioso crescimento desta Obra, nascida de minhas mãos, e sabendo que diante de Deus o ser é muito mais do que o fazer; depois de muito rezar, pareceu-me mais justo aos olhos de Deus e de Maria Santíssima renunciar a meu cargo de Superior Geral, a fim de que um filho meu, sob a ação do Espírito Santo, possa conduzir essa Obra àquela perfeição desejada por Nossa Senhora, tal como Ela imprimiu na alma do Fundador.

Ao deixar este encargo, não posso -- nem desejaria -- diante de Deus, renunciar à minha missão de pai. Faço à Trindade Santíssima, por meio de minha Senhora e Mãe, a Virgem Maria, o firme propósito de continuar a interceder junto a Deus, com minhas súplicas e preces, por meus filhos e filhas. Continuarei à disposição de todos e cada um, por saber-me constituído por Deus como modelo e guardião vivo desse carisma, confiado a mim pelo Espírito Santo.

Rogo a todos que continuem rezando por mim e por esta Obra, a fim de que todo o projeto de Deus a nosso respeito atinja todo o esplendor, para sua glória e da Santa Igreja, a fim de que seja instaurada na terra a plena união com o Céus, o Reino de Maria Santíssima.

Caieiras, 2 de junho de 2017

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Superior Geral

Vatican Insider
Tradução: Ramón Lara.

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